terça-feira, 17 de março de 2009



Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez se levantou Baltazar para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que estava comendo a luz, e então, sendo tanta a claridade, Sete-Sóis pôde dizer, Por que foi que perguntaste meu nome, e Blimunda respondeu, Porque foi minha mãe o quis saber e queria que eu soubesse, Como sabes, se ela não pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei-de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores será sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não farás o que já fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar onde durmo, Comigo.
Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens, Dezenove anos, mas já então se tornara muito mais velha. Correu algum sangue sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e indicador umedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez uma cruz no peito de Baltazar, sobre o coração. Estavam ambos nus. Numa rua perto ouviram vozes de desafio, bater de espadas, correrias. Depois o silêncio. Não correu mais sangue.
Quando, de manhã, Baltazar acordou, viu Blimunda deitada ao seu lado, a comer pão, de olhos fechados. Só abriu, cinzentos àquela hora da manhã, depois de ter acabado de comer, e disse, Nunca te olharei por dentro.

José Saramago

in Memorial do Convento

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